Filipe M. Fearnside e Walter Leal Filho Informações e afiliações dos autores
Science 20 de março de 2025 Vol 387, Edição 6740 pág. 1237 (tradução de Ingles)
A 30ª Conferência das Partes (COP 30) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima será realizada em novembro de 2025 em Belém, na Amazônia brasileira. Para que a COP 30 seja eficaz em levar o mundo a reverter seu curso desastroso em direção a um ponto de inflexão climático , será necessário não apenas deter o desmatamento, mas também facilitar uma rápida eliminação mundial da combustão de combustíveis fósseis. No entanto, como anfitrião da conferência, o Brasil não está liderando pelo exemplo. À medida que os participantes se preparam para a COP 30 nos próximos meses, é importante que a reunião seja usada não apenas para chegar a um acordo sobre novas medidas globais para combater as mudanças climáticas, mas também para incentivar o país anfitrião a mudar as práticas atuais.
Com exceção do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, praticamente todos os poderes do governo do país estão promovendo atividades que aumentam as emissões de gases de efeito estufa. Por exemplo, o Ministério dos Transportes pretende abrir grandes áreas de floresta amazônica para a entrada de desmatadores pelo "trecho médio" de 408 km da rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) e estradas secundárias associadas. A vasta área florestal aberta por essas estradas contém carbono suficiente para empurrar o aquecimento global além de um ponto de inflexão irreversível. O Ministério da Agricultura subsidia a transformação de pastagens em soja, que é um importante impulsionador do desmatamento porque, quando a terra se torna mais valiosa para a soja do que para o gado, os pecuaristas (incluindo aqueles fóruns da Amazônia) vendem suas terras para plantadores de soja e usam os lucros para comprar áreas muito maiores de floresta amazônica barata para novas fazendas em áreas mais remotas. Cada hectare de pastagem convertido em soja pode causar vários hectares de desmatamento. A agência fundiária do Brasil legaliza reivindicações e ocupações ilegais de terras em terras do governo (um importante fator de desmatamento e estímulo para novas reivindicações ilegais). Paralelamente, o Ministério de Minas e Energia está abrindo novos campos de petróleo e gás na floresta amazônica e em áreas offshore, incluindo seu plano de perfuração na foz do rio Amazonas, próximo ao local da próxima COP.
O plano atual do Brasil é continuar perfurando petróleo até que o país atinja "o nível [econômico] dos países desenvolvidos", que é uma fórmula para o desastre climático. Em 2021, a Agência Internacional de Energia emitiu um relatório apresentando o argumento para não abrir novos campos de gás ou petróleo no mundo, restringindo a extração a campos existentes que devem reduzir suas taxas de extração a zero até 2050. Isso ocorre porque novos campos implicam extração de longo prazo. Por exemplo, o campo proposto na foz do rio Amazonas levaria 5 anos para começar a produzir petróleo e outros 5 anos para pagar o investimento, e como ninguém gostaria de parar com lucro zero, a iniciativa implica extração nas próximas décadas – muito depois de o mundo abandonar os combustíveis fósseis.
Para o Brasil, assumir a liderança na luta contra o aquecimento global faria todo o sentido, não apenas pela oportunidade oferecida por sediar a COP 30 e pela importância das emissões potenciais do próprio país, mas também pelo impacto catastrófico no Brasil se o aumento da temperatura escapar do controle humano. O Brasil perderia sua floresta amazônica, incluindo o papel vital que desempenha na reciclagem da água que abastece a grande São Paulo, a quarta maior cidade do mundo. A bacia hidrográfica que inclui São Paulo recebe de 16% a 70% de sua precipitação anual de água reciclada pela floresta amazônica e transportada como vapor d'água pelos ventos conhecidos como "rios voadores". A perda até mesmo da mais baixa dessas estimativas deixaria a cidade sem água em anos de seca extrema como 2014 e 2021, e as mudanças climáticas em curso devem aumentar muito a frequência de secas severas lá. A região semiárida densamente povoada no Nordeste do Brasil se tornaria um deserto, e as grandes populações ao longo da costa atlântica do Brasil seriam expostas ao aumento das tempestades e do nível do mar. O agronegócio brasileiro e sua agricultura familiar sofreriam fortes impactos. Secas de gravidade "sem precedentes" são esperadas no Brasil, e a frequência de secas severas aumentaria em pelo menos 10 vezes. "Surpresas climáticas" como as enchentes de 2024 no Rio Grande do Sul se tornariam mais comuns.
A COP 30 enfrenta grandes desafios para alcançar seus objetivos climáticos. Uma parte fundamental disso é conter as emissões da Amazônia e, para isso, o maior desafio é obter uma mudança radical nas políticas do governo brasileiro, tanto nos impulsionadores do desmatamento quanto na extração de combustíveis fósseis.