Em dias de intensidade esperada, por um lado, e inusitada por outro, a partir do horror cívico que vivemos neste início de ano, muitos de nós nos vimos invadidos por uma genuína tristeza, inevitável frente ao nível de ignorância e selvageria que contaminou a turba de brasileiros autodenominada “patriotas”, na sanha coletiva e seu ímpeto destruidor nos episódios de Brasília.

Manifestar contrariedade e discordar, expressar sob métodos pacíficos propostas diferentes para o que quer que seja, faz parte dos preceitos democráticos desde sempre.

Destruir patrimônio público pelo prazer irracional de exercer rebeldia como um direito, revela entre outros fenômenos, uma primordial falta de educação básica do que sejam cultura e civilização.

....O que diferencia o ser humano como ser no mundo, que necessita de adaptações, desde a alimentação a meios de enfrentar o ambiente e suas hostilidades, capaz de interagir com o outro. Conhecemos sobretudo o efeito civilizatório primordial conferido pela educação, em qualquer nível, em que pese diferenças e peculiaridades culturais, no sentido da preservação, seja da natureza, do meio ambiente ou das maravilhas que o ser humano é capaz de criar e construir.

A escola prepara o futuro de toda criança, permitindo alcançar na adolescência e idade adulta conviver com a vitória como com a derrota, introduz o saber das mais variadas modalidades, e educa o olhar crítico para o que a vida exige de ético, no respeito à pessoa, aos seres vivos e à criação. Educar é compreender a cultura, respeitando uma forma de inteligência própria a cada um, e os saberes necessários para uma vida de interação.

Reduzir a educação a conceitos como conservadorismo e progressismo carece do entendimento maior do que seja educação para a liberdade, de acordo com os maiores educadores. Por essa razão é absolutamente injustificável que obras de arte, arquitetura, e o melhor da criação do homem sejam vandalizados em nome de castigar ou se vingar do que quer que seja.

Roma, entre os anos de 1943 e 1945, ocupada por nazistas, foi declarada cidade aberta, com o objetivo de preservá-la dos bombardeios aéreos... Na mesma dimensão, Paris, por quatro anos ocupada pelos nazistas, não teve depredação de monumentos e obras de arte, revelando uma consciência de educação e cultura que o cenário europeu já oferecia.

A selvageria e a ignorância bruta que acometeu a horda que atacou nosso patrimônio em Brasília, a misturar grades e vidros com o mais fino da criação artística brasileira, no mobiliário, e nas obras de arte, ferindo inclusive a pedra no Congresso com as sábias palavras de Nabuco, é intolerável. O grande brasileiro e abolicionista Joaquim Nabuco escreveu, “Eduquem os seus filhos, eduquem-se a si mesmos, no amor da liberdade alheia, único meio de não ser a sua própria liberdade uma doação gratuita do Destino, e de adquirirem a consciência do que ela vale, e coragem para defendê-la”.

Talvez, como se aplicavam reprimendas nas escolas no passado, fosse um bom exercício que presos recebessem em sua condenação, a tarefa de escrever 1000 vezes esta máxima.

Refelxão de Margareth Dalcolmo - Pneumologista, professora e pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz

Fonte: O Globo/Blog A hora da Ciência (17/01/2023)