A Justiça e a reconciliação do Brasil

Marcelo Barros

No Brasil, mesmo se a maioria da população se manifestou a favor da Democracia, há uma fratura da sanidade social que nenhuma lei pode consertar. Ainda há pessoas que temem o Comunismo como fantasma que aparecesse à luz do sol e como se houvesse risco de nevar na Amazônia.

Essa epidemia de boatos, mentiras e de fabricação de medos e de antagonismos odiosos não é espontânea, nem será desmontada apenas com argumentos racionais. Foi planejada e fabricada para legitimar a destruição do processo social que, nas últimas décadas, a sociedade civil tem conquistado e fortalecido. Ela não será vencida enquanto o Brasil continuar sendo o terceiro país do mundo em desigualdade social.

No dia 15 de janeiro, o mundo inteiro celebra a memória do nascimento de Martin-Luther King, o pastor negro que, nos anos 1960, nos Estados Unidos, coordenou a luta da população negra pela igualdade social e por seus direitos civis. Enquanto ele vivia, a grande mídia norte-americana tentou destruí-lo de todos os modos possíveis. Depois que foi assassinado, se tornou herói.

                                                    

 

Mais de 50 anos depois dessa vitória legal do povo negro, tanto nos Estados Unidos, como na maioria dos países do mundo, a humanidade ainda não eliminou o apartheid social e econômico. Na América Latina, quase sempre, ser negro é sinônimo de ser pobre. A África do Sul superou o apartheid político, mas mantém uma imensa desigualdade racial, baseada na divisão econômica. Com relação a isso, ainda ressoam as palavras do pastor Martin-Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons. Mais do que a violência de poucos, me assusta a omissão de muitos”. Ele explicava: “Uma pessoa que não descobriu nada pela qual aceitaria morrer, não está ainda pronta para viver”.

A memória de profetas como o pastor Martin-Luther King nos assegura que, mesmo com todos os ataques do império, ninguém conseguirá destruir os melhores sonhos dos nossos povos. Mesmo se, infelizmente, nem sempre as religiões têm colaborado para que a humanidade possa realizar o sonho divino de paz e de justiça social, precisamos reforçar os grupos cristãos e de outras tradições espirituais que testemunhem Deus como Amor e não como legitimador do ódio e das violências. Neste ano de 2023, teremos em julho em Rondonópolis, no Mato Grosso, o XV Encontro nacional das

Comunidades Eclesiais de Base e no começo de novembro em Salvador o III Encontro de Juventudes e Espiritualidade Libertadora.

Essa espiritualidade, religiosa ou não, consiste na opção de viver como se estivéssemos ensaiando o futuro que desejamos e assim tornamos realidade o Bem-viver com o qual sonhamos. A Bíblia, outros livros sagrados e as tradições orais das espiritualidades negras e dos povos originários nos revelam um projeto divino de paz, justiça e comunhão entre os seres humanos e com a natureza e nos chamam a viver isso. O pastor Martin-Luther King nos recordava: “Lembremo-nos de que existe no mundo um poder de amor que é capaz de abrir caminho onde não há caminho e de transformar o ontem escuro em um amanhã luminoso”.

Agradecemos o autor, Pe. Marcelo Barros

Marcelo Barros de Sousa (Camaragibe, PE, 27 de novembro de 1944) é um monge beneditinoescritor e teólogo brasileiro. Nasceu numa família de operários e, quando adolescente, sonhava tornar-se veterinário. Mas, aos 18 anos, decidiu ser monge e padre. Marcelo é teólogo especializado em Bíblia (biblista), do grupo fundador do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI).

É um dos três latino-americanos membros da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina, ÁfricaÁsia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte. Atualmente desenvolve uma pesquisa teológica sobre a relação do Cristianismo com as religiões negras e indígenas e coordena uma coleção sobre a teologia do pluralismo religioso e um cristianismo aberto a outras culturas e religiões. No âmbito da Teologia da Libertação desenvolveu um ramo próprio, a Teologia da Terra.

Assessora a Comissão Pastoral da Terra, organismo da CNBB para a presença da Igreja junto aos lavradores.