"A inclusão das mulheres na Igreja é um modo criativo de promover as mudanças necessárias. Uma teologia e uma eclesiologia da mulher deve mudar a imagem, o conceito e as estruturas da Igreja. Deverá levar a Igreja a se tornar o Povo de Deus, como proclamado pelo Concílio Vaticano II. A criatividade feminina pode abrir novos modos de ser uma comunidade cristã de discípulos, homens e mulheres juntos, testemunhas e pregadores da Boa Nova", afirmou Arturo Sosa, SJ, Superior Geral da Companhia de Jesus, no dia 08-03-2017, em discurso proferido na Cidade do Vaticano. A tradução do inglês é de Isaque Gomes Correa.
 

Eis o discurso. 

Eu gostaria de agradecer o Vozes de Fé e o Serviço Jesuíta aos Refugiados – SJR por me convidarem a celebrar o Dia Internacional da Mulher com vocês e todos/as reunidos/as aqui hoje.

Aproveito esta oportunidade para mostrar a minha gratidão às mulheres que estarão falando hoje, mulheres que fazem a diferença em suas famílias e comunidades, especialmente nos cantos mais remotos do mundo. Enfrentamos tempos difíceis no mundo atual, e precisamos permanecer firmes e trabalhar em união como homens e mulheres na fé.

Como sabemos, o tema global para a celebração do Dia Internacional da Mulher deste ano é “Sejamos ousados para a mudança”. Aqui na Cidade do Vaticano, fisicamente o centro da Igreja, o Vozes de Fé e o SJR buscam “Fazer o Impossível, Possível”. Especialmente aqui em Roma, essa é uma mudança ousada! Eu gostaria de refletir sobre o que significa tornar possível o impossível para mim como líder da Companhia de Jesus, como cidadão do mundo e membro da Igreja Católica.

Precisamos ter a fé que nos faz ser audaciosos na busca do impossível, visto nada ser impossível para Deus. A fé de Maria que abriu o seu coração como mulher à possibilidade de algo novo: tornar-se a Mãe do Filho de Deus.

SJR: Resiliência

Como podemos saber, eu venho da América Latina, um continente com milhões de pessoas deslocadas. Com quase 7 milhões, a Colômbia possui o maior número de pessoas internamente deslocadas no mundo, e um número desproporcional delas são mulheres e crianças. Servi na fronteira entre a Colômbia e o meu país nativo, a Venezuela, por 10 anos. Vi, em primeira mão, o sofrimento daquelas pessoas forçadas a abandonar tudo para salvar suas vidas.

Na Colômbia, por exemplo, mulheres e meninas estão entre as pessoas vulneráveis devido à violência generalizada causada por décadas de conflito. Elas estão expostas ao recrutamento armado e estão propensas a serem vítimas de uma ou outra forma de exploração, variando desde a escravidão dos tempos modernos até a sobrevivência no mundo da exploração sexual e humana. Muitas delas fogem para os países vizinhos em busca de segurança e, frequentemente, encontram-se a sós no esforço para sustentar suas famílias.

Também testemunhei a “resiliência” feminina. Apesar desta realidade traumática, elas em geral encontram um modo não apenas de sobrevivência, mas também de superação de todas as dificuldades do exílio e migração forçada. Resiliência é o que nos capacita a seguir em frente e pensarmos no futuro. Resiliência é essencial para fazer possível o impossível. Permitam-me dar um exemplo.

Na fronteira entre a Venezuela e a Colômbia, o Serviço Jesuíta aos Refugiados tem estado presente por mais de dez anos. Durante este tempo, ele vem unindo as refugiadas da Colômbia ao usar a expressão artística delas como um ponto de partida para redescobrir a resiliência.

Enquanto expressam-se de um modo criativo por meio da arte, estas mulheres também partilham suas experiências e criam uma rede de apoio para melhorar o seu bem-estar psicossocial. Este ambiente de cura é um lugar para a escuta e aproximação – em outras palavras, para a resiliência. A resiliência empodera as mulheres e, em última instância, resulta em esperança e na possibilidade de reconciliação com o passado, com aqueles que as prejudicaram e com aqueles com quem agora vivem. Reconciliar-se requer coragem, e muitas vezes também, em 2017, a coragem feminina, a resiliência feminina não é reconhecida nem valorizada.

Ao construir conexões humanas, a resiliência recostura o tecido comunal. Alguns podem dizer que é impossível descobrir uma tal resiliência: o SJR e o Vozes de Fé dizem o contrário.

O mundo: Colaboração

Como membro da comunidade humana, é provável que cada um de nós estejamos chocados com a situação do mundo. O deslocamento humano atingiu o seu ápice na história, representando um sofrimento humano incrível ao redor do planeta.

Conflitos em curso estão na origem da maior parte deste exílio forçado. Existem mais de 65 milhões de pessoas forçadamente deslocadas entre nós: uma a cada 113 pessoas no mundo está, neste momento, em busca de asilo, ou é uma deslocada internamente em seu próprio país, ou refugiada.

Precisamos pensar sobre as maneiras como nós, enquanto comunidade humana, podemos responder. Não consigo pôr toda a ênfase suficiente sobre essa necessidade de colaboração entre homens e mulheres. Acredito que somente juntos possamos alcançar aquilo que hoje parece impossível: uma humanidade reconciliada na justiça, vivendo em paz numa casa comum bem mantida, onde há espaço para todos, por reconhecermos que somos irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Deus que é Mãe e Pai de todos/as nós.

Precisamos colaborar, apoiar e aprender uns com os outros. Já parece impossível imaginar a paz em lugares como a República Centro-Africana, o Sudão do Sul ou a Colômbia. Poderemos ter a audácia de sonhar que homens e mulheres, trabalhando juntos, irão trazer a paz a estes países? Penso que estas impossibilidades podem se aproximar da realidade se as mulheres desempenharem um papel maior no diálogo.

Não me surpreende que Angela Markel esteja sendo a líder europeia mais corajosa e visionária nesta época de migração forçada fenomenal. Ela teve a compaixão para olhar aos que estão necessitados e a visão para ver que estas pessoas trariam uma contribuição à Alemanha e à Europa.

Uma outra líder extraordinária é Ellen Johnson Sirleaf, presidenta da Libéria. Por meio de sua determinada dedicação e visão, ela trouxe paz e reconciliação ao seu país atormentado pela guerra de um jeito que a maioria dos homens achava que seria impossível.

Ao mesmo tempo, a realidade generalizada é que as mulheres não recebem pelo trabalho que fazem, ou recebem menos que os homens pelo mesmo trabalho. Na Europa e América do Norte, as mulheres ganhem em média 70 centavos para cada dólar ou euro ganho por um homem. Essa lacuna cresce mais ainda nas regiões em desenvolvimento do mundo.

Atualmente, muitos de nós olhamos o mundo através do prisma da xenofobia e da estreiteza de visão, um prisma que parece alimentar-se da discórdia e marginalização. Na revista jesuíta America, a comentadora política Cokie Roberts, filha de dois ex-membros do Congresso americano, coloca a realidade de um modo sucinto: “O Congresso precisa de mais mulheres. Então talvez, quem sabe, Washington funcionaria novamente”.

Podemos escutar com cuidado a experiência das mulheres na esfera pública, ouvir como elas trabalham juntas e nos inspirarmos com a coragem que demonstram.

A Igreja Católica: Inclusão

O papel das mulheres na Igreja pode ser, e tem sido, descrito de muitas maneiras: guardiãs da fé, coluna vertebral da Igreja, a imagem viva de Maria entre nós. Nós jesuítas estamos profundamente cientes dos papéis que as mulheres desempenham em nossos ministérios: leigas e religiosas servem como presidentes e diretoras de escolas, diretoras de centros de retiro, professoras e toda função possível que podemos pensar. Como provavelmente todos/as sabemos, os Exercícios Espirituais – fundamento da espiritualidade jesuíta – foram primeiramente desenvolvidos por Santo Inácio de Loyola antes de os jesuítas serem fundados. A nossa espiritualidade é aberta a todos, homens e mulheres que querem se tornar mulheres e homens com os demais e para os demais.

Na Igreja em geral, há correntes contrárias quanto ao papel da mulher neste momento da história. Como afirmado pelo Papa Francisco, as mulheres desempenham um papel fundamental na passagem da fé e são uma fonte diária de força em uma sociedade que carrega esta fé adiante e a renova. O magistério da Igreja certamente promove o papel das mulheres dentro da família, mas também destaca a necessidade da contribuição delas na Igreja e na vida pública. Ele baseia-se no texto de Gênesis, que fala de homens e mulheres criados à imagem de Deus e da práxis profética de Jesus em sua relação com elas.

O Papa Francisco vem sendo enfático quanto às mulheres participarem em instâncias decisórias e assumirem responsabilidades na Igreja. Ele criou também uma “Comissão de Estudos sobre o Diaconato das Mulheres” para explorar a história e o papel delas na estrutura da Igreja.

Se formos honestos, reconheceremos que a plenitude da participação feminina na Igreja não chegou ainda. Esta “inclusão”, que traria os dons da resiliência e colaboração ainda mais profundamente para dentro da Igreja, permanece obstruída em muitas frentes. Um aspecto foi mencionado pelo papa: temos de trabalhar mais para desenvolver uma profunda teologia da mulher. Eu acrescentaria que uma eclesiologia, o estudo da Igreja... que inclui mulheres, é igualmente necessária se as funções femininas vierem a ser incluídas como devem ser.

Na realidade, a inclusão das mulheres na Igreja é um modo criativo de promover as mudanças necessárias. Uma teologia e uma eclesiologia da mulher deve mudar a imagem, o conceito e as estruturas da Igreja. Deverá levar a Igreja a se tornar o Povo de Deus, como proclamado pelo Concílio Vaticano II. A criatividade feminina pode abrir novos modos de ser uma comunidade cristã de discípulos, homens e mulheres juntos, testemunhas e pregadores da Boa Nova.

Mas, e talvez isto seja o mais importante, a inclusão feminina será também um resultado das preocupações centrais do Papa Francisco. Ao trazer à vida o Vaticano II e ao incorporar os pobres à Igreja, Francisco está dando às vozes das mulheres mais oportunidade de se pronunciarem e serem contadas. Ninguém é mais resiliente do que as mulheres na construção e no apoio da Igreja nas regiões mais pobres do mundo.

Em suas iniciativas contra o clericalismo – e contra o elitismo e o sexismo que vêm com ele –, o papa procura abrir o nosso futuro às vozes do lado de fora do Vaticano, busca trazer a experiência do mundo na formação deste futuro. O oposto do clericalismo é a colaboração, o trabalho conjunto como filhos e filhas batizados de Deus.

Estes esforços deram início a um processo de inclusão mais profunda da mulher no seio da Igreja. Tão desafiador quanto o são as crises de refugiados ou outros temas mundiais, para alguns de nós isto pode ser verdadeiramente o impossível.

O próprio São Francisco de Assis afirmou: “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível”. Nesse espírito, estamos aqui hoje para ouvir as Vozes de Fé, ouvir histórias de resiliência, colaboração e inclusão. Fizemos mais do que iniciar. Não iremos parar.