por Thaís Borges e Sue Branford em 29 Abril 2020 | Traduzido por Eloise de Vylder    -   foto: Ecodebate

  • Cientistas alertam que a próxima epidemia poderá ter origem na Amazônia brasileira se as políticas do governo Bolsonaro continuarem levando a floresta a índices cada vez mais altos de desmatamento. É consenso na ciência que novas doenças costumam surgir nas áreas de contato entre a floresta e frentes de expansão econômica, como o agronegócio e a mineração.
  • Uma das formas pela qual o desmatamento leva à emergência de novas doenças é por meio do fogo, como os incêndios que ocorreram na Amazônia em 2019. Após as queimadas na floresta, o habitat alterado em geral oferece menos alimento, levando os animais a procurar comida em comunidades humanas vizinhas, criando vetores de bactérias, vírus e parasitas zoonóticos (transmissíveis de um animal a um ser humano).
  • Um exemplo de catástrofe ambiental que provocou surto de doença foi o rompimento da barragem de mineração em Mariana em 2015. Cientistas acreditam que um grande aumento nos casos de febre amarela em Minas Gerais nos anos seguintes foi devido em parte ao desastre.
  • Já se sabe que perturbações severas no meio ambiente contribuem para a expansão de doenças como a malária. Estudo da Universidade de Stanford (EUA) detectou que o aumento de 10% no desmatamento levou a um crescimento de 3,3% na transmissão da malária.

O rápido avanço do desmatamento na Amazônia está criando condições para o surgimento de futuras pandemias, dizem especialistas.

É consenso na ciência que a perda de área de uma floresta pode levar à emergência de novos vírus e bactérias perigosos contra os quais a humanidade tem pouca defesa, levando a epidemias e pandemias.

“Vertebrados silvestres, especialmente roedores, morcegos e primatas, abrigam patógenos que são novos para o sistema imunológico humano. Se desmatarmos seu habitat e nos colocarmos em contato próximo com eles, podemos aumentar o risco de haver uma contaminação, introduzindo um novo patógeno”, diz Andy MacDonald, ecólogo especializado em doenças do Instituto de Geociências da Universidade da Califórnia.

Segundo Kate Jones, chefe de Ecologia e Biodiversidade da Universidade de Londres, cientistas sabem há muito tempo que doenças infecciosas originadas em animais são “uma ameaça cada vez maior e muito significativa à saúde, à segurança e à economia globais.” Em 2008, ela fez parte de uma equipe de pesquisa que revelou que pelo menos 60% das 335 novas doenças que emergiram entre 1960 e 2004 tiveram como origem animais silvestres.

Uma das principais causas dessa transferência de doenças é a destruição do habitat – sobretudo nas florestas tropicais.

“Não estou nem um pouco surpreso com o surto de coronavírus”, disse o ecólogo de doenças Tomas Gillespie, professor associado da Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Emory, à revista Scientific American. “A maioria dos patógenos ainda estão para serem descobertos. Estamos bem na ponta do iceberg.”

John Scott, chefe de Risco à Sustentabilidade do Zurich Insurance Group, referindo-se ao ebola, Sars, Mers e outras epidemias recentes, oferece uma mensagem semelhante: “Os últimos 20 anos de surtos de doenças podem ser vistos como uma série de catástrofes por pouco evitadas, o que levou à complacência em vez de levar a um aumento da vigilância necessária para controlar surtos.”

 

Vista aérea de incêndio na Floresta Amazônica em Colniza, MT, em agosto de 2019. Foto: Victor Moriyama/Greenpeace.

Incêndios são grandes detonadores de novas doenças

“Aproximadamente, um entre três surtos de novas doenças está ligado a mudanças no uso da terra, como o desmatamento”, explica Peter Daszak, presidente da EcoHealth Alliance, organização sem fins lucrativos baseada em Nova York. Daszak foi o autor principal de um estudo intitulado “Emergência de doenças infecciosas e economia de paisagens alteradas” (em tradução livre), publicado no ano passado.

O artigo observa que “moléstias ligadas à mudança no uso da terra incluem doenças letais como o HIV/Aids, ebola e o zika.” Pesquisas preliminares indicam que podemos provavelmente acrescentar a essa lista a covid-19, causada pelo novo coronavírus.

Uma forma pela qual o desmatamento leva à emergência de novas doenças é pelo fogo.

Em meados de agosto de 2019, um grupo de especialistas internacionais em zoonoses (ou seja, doenças transmitidas de animais para humanos) encontrou-se na Colômbia para analisar o impacto dos incêndios florestais em curso na Amazônia.

Em sua declaração, eles alertaram: “A região Amazônica do Brasil, endêmica para muitas doenças infecciosas e zoonoses, pode, depois de incêndios florestais, desencadear uma seleção pela sobrevivência e, com isso, mudar o habitat e os comportamentos de algumas espécies de animais. Estas podem ser reservatórios de bactérias, vírus e parasitas zoonóticos.”

O cenário de incêndios florestais já aconteceu em outros lugares. Em 1988, queimadas de grande proporção na Indonésia criaram as condições necessárias para a emergência do vírus Nipah, que tem uma taxa de mortalidade entre 40% e 70%.

Pesquisadores acreditam que os incêndios fizeram com que morcegos frugívoros fugissem de seus lares na floresta, buscando alimento em pomares. Os porcos, então, comeram as frutas que os morcegos beliscaram, infectando-se com o vírus, e por fim transmitindo a doença aos moradores locais, que começaram a morrer de hemorragias no cérebro.

Fonte:  https://brasil.mongabay.com/2020/04/desmatamento-acelerado-na-amazonia-pode-levar-a-proxima-pandemia/