Ao povo brasileiro,

“Nós, bispos da Amazônia, ...no exercício de nossa missão evangelizadora dirigimos esta mensagem a toda sociedade, aos povos da Amazônia, aos homens e mulheres comprometidos com a defesa da vida. E o fazemos profundamente sensibilizados pela situação de vulnerabilidade e ameaças que sofre toda casa comum, agravada pela pandemia da Covid-19, e pelo acirramento das disputas territoriais com expansão das atividades minerais e do agronegócio em terras de populações tradicionais.... Nos solidarizamos com todos os que tombaram vítimas do descaso e dos projetos de morte....

Acompanhamos estarrecidos, mas não inertes, o desenrolar de um arquitetado projeto genocida que, por sua vez, revela o devastador agravamento de uma crise que escancara a pobreza diante da escandalosa concentração de riquezas.... Assim, o capital sequestra a autonomia dos Estados, exige e dita os novos rumos da política, rompe com as históricas conquistas sociais, desmonta as instituições e políticas de seguridade, alimenta-se das posturas extremistas, que por sua vez buscam na religião sua legitimidade de expressão. Essa perversidade busca revestir-se de um maquiado desejo de liberdade e de autonomia diante da lei, derruba os marcos legais que garantem o equilíbrio das relações e a salvaguarda do bem comum.... Ou apelamos para a garantia legal da vida e dos territórios, ou nos defendemos quando o extermínio se torna lei!

Este dinamismo é escancaradamente presente diante da questão das lutas dos povos indígenas.... Eles enfrentam invasões de suas terras, incentivadas por estratégias políticas que favorecem a exploração, por garimpeiros, mineradoras, madeireiros, desmatadores, agentes do agronegócio, entre tantos outros, gerando toda espécie de violências e violações de direitos humanos e da natureza. Somam-se os incêndios, poluição das águas dos rios, contaminação de peixes, contaminação das pessoas e dos animais; assassinatos, violência sexual, pandemia, desassistência.

....Preocupa-nos a cadeia de iniciativas em vista do desmonte e fragilização da legislação socioambiental e fundiária: O PL 3729/2004 que desmonta o sistema de licenciamento ambiental; o PL 2633/2020 e PL 510/2021 que abrem as “porteiras” para a grilagem de terras; o PL 191/2020 permitindo a mineração e atividades econômicas em terras indígenas; o PL 6299/2002 que flexibiliza fabricação e uso de agrotóxicos. A profecia não silencia diante destas práticas: “Ai dos que inventam leis injustas, dos escribas que referendam a injustiça para oprimirem os pobres no julgamento” (Is 10,1-2)....

Aprendemos da experiência do Sínodo da Amazônia um olhar esperançoso.... Os caminhos traçados pelo Sínodo da Amazônia, catalogados em forma de compromisso no novo Pacto das Catacumbas pela Casa Comum, deixaram evidente a necessidade de superar uma lógica colonizadora, de escolher a periferia como centro da Igreja, de assumir o caminho da inculturação e interculturalidade, seja no campo dos ministérios como das estruturas: uma Igreja com o rosto Amazônico....

Não estamos sozinhos, há outros interlocutores da fé cristã, de outras expressões religiosas, de organizações populares, novos sujeitos emergentes; a partir dos pequeninos nos sentimos irmanados neste compromisso. “Tudo isso nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazônia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar de sua obra criadora?” (Querida Amazônia 110).

Sentimo-nos impulsionados e animados a reafirmar alguns compromissos:

  • Reafirmar nosso envolvimento efetivo com o Pacto pela Vida e pelo Brasil, unindo-nos ao “coro dos lúcidos” fazendo nossas as suas pautas: a vacina para todos, a defesa do SUS, o auxílio emergencial digno, pelo tempo que se fizer necessário e a investigação da responsabilidade pela má gestão do sistema de saúde em meio à pandemia do coronavírus.
  • Da mesma forma tornar vivo o Pacto Educativo Global, proposto Papa Francisco, em todas as regiões da Amazônia. Conclamamos todas as instâncias eclesiais e a sociedade como um todo a unir-se neste engajamento.
  • Tendo descoberto a capilaridade das novas dinâmicas de comunicação, das quais nos servimos para chegar junto às nossas comunidades em tempos de distanciamento social, igualmente queremos por meio destes recursos fazer chegar a todos e todas estas nossas inquietações, esperanças e compromissos.

Exortamos, às mais variadas lideranças de cristãos leigos e leigas, que não desanimem da luta, que renovem continuamente o senso de comunhão eclesial, que a paixão pelo Reino de Deus seja sempre alimentada, e que a sensibilidade para com os mais pobres seja permanente.

Não nos faltem a intercessão de nossos mártires, companheiros de caminhada, e o olhar benevolente da Senhora de Nazaré, Mãe da Amazônia: “esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei”! A Mãe de Deus está conosco. Sigamos em frente!

Amazônia, 19 de maio de 2021.

Participantes do Encontro Bispos da Amazônia Legal

Acesse a carta na íntegra   https://www.cnbb.org.br/carta-dos-bispos-da-amazonia-brasileira/