Obrigada, Jornalista Suzana Carmargo por esta importante reflexão:

 A avalanche de lama que destruiu o vilarejo de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, e agora corre na direção do Rio Doce e já provoca um enorme desastre ambiental na região, sujou nossa alma de vergonha. Nos deixou perplexos e revoltados. Mas no centro de toda esta tragédia também estamos presentes. Também somos responsáveis. Não há como apontar o dedo somente para a mineradora envolvida, responsável pelas duas barragens que se romperam, e o governo, que faz vista grossa sobre a atividade de exploração de minério no país.

                                                   

Ontem (10/11/15) foi divulgado o nome, o rosto e a idade de uma das 20 e tantas vítimas do desastre. Emanuele Vitória Fernandes tinha 5 anos. Sim, 5 anos. Ela tinha uma vida inteira pela frente. Seu corpo foi encontrado em outro município, a 70 km de Bento Rodrigues, levado pela lama. O pai tentou segurar a mão da filha, mas Emanuele foi carregada pela lama.

A lama com resíduos tóxicos de minério, entre eles ferro e alumínio, levou a vida de outras pessoas. Até agora elas estão sendo chamadas ainda dedesaparecidas. Não ganharam rosto nem nome. Mas são pais, filhos, irmãos e avós. Famílias inteiras que nunca mais serão as mesmas. A lama trouxe com ela a morte. A tragédia. E um grito sobre o descaso.

Para começar, é inaceitável como no Brasil a perda de vidas humanas está banalizada. Todos os dias, centenas de pessoas morrem nos grandes centros urbanos – atropeladas, esfaqueadas, assassinadas – e elas simplesmente entram para as “estatísticas”.

Em Bento Rodrigues, os trabalhadores da mineradora Samarco eram gente simples. Talvez, se fossem moradores de um bairro nobre da capital paulista já soubéssemos todos os detalhes de sua vida. O que a mãe de Emanuele fazia, a profissão de seu pai, os brinquedos favoritos da menina.

Mas foram vítimas de uma tragédia que aconteceu no interior de Minas Gerais. Uma fatalidade, certo? Errado. Muito errado. Nenhum ser humano pode perder a vida desta maneira e a sociedade se manter calada perante isto.

A lama que fez sumir casas, escolas e pessoas de Bento Rodrigues e está matando dezenas de animais ao longo do caminho que percorre nos remete à uma cena medieval. Quando em civilização antigas e desumanas, obrigavam-se os trabalhadores de classes mais baixas a trabalhar horas e mais horas na extração do carvão. Em condições insalubres, estes escravos sociais passavam suas vidas em meio ao breu.

Hoje, como não somos mais bárbaros, a exploração do minério utiliza máquinas modernas. A mão de obra humana ainda é necessária, mas estas pessoas recebem salários dignos, casa e tem boas condições de vida. Será mesmo?

A empresa Samarco se comprometeu a ajudar as vítimas (e os danos ambientais, quem será responsabilizado por eles?). Mas como trazer de volta vidas perdidas? Impossível. Emanuele ficará somente na lembrança de seus familiares. Os porta-retratos devem ter ficado embaixo da lama.

O que acontece é que, ano após ano, a mesma tragédia se repete no país. Esta não foi a primeira queda de barragem. Em anos passados, outras já caíram, provocando danos ambientais e enterrando a vida de outros trabalhadores – gente simples como os habitantes de Bento Rodrigues. Mas daqui a um mês, quem vai lembrar do lamaçal mineiro?

Eu, você e todos nós temos obrigação de lembrar. Afinal, por que a Samarco, que é fruto da sociedade de duas gigantes do setor – a brasileira Vale e a australiana BHP -,  e outras milhares de mineradoras no mundo todo estão buscando ferro, alumínio e cobre? Para produzir o último modelo do celular que você tanto deseja, o carro que eu quero comprar no mês que vem ou os pingentes daquela pulseira que a sua filha tanto quer.

Parece injusto, não? Como se fosse um soco no estômago. Como posso querer insinuar que eu e você também somos culpados pelo mar de lama de Bento Rodrigues? A culpa é da Samarco. Da Vale, da BHP. A culpa é dos órgãos ambientais que não fiscalizaram as barragens. É do governo.

Sim, a culpa é deles. Mas nossa também. Nós, os seres humanos. Há séculos estamos explorando o planeta. Tirando dele tudo o que podemos. Exaurindo todos os seus recursos naturais. Para que? Para termos mais bens, conforto, status. Para podermos mostrar aos amigos que sensacional é a nova câmera do celular que compramos.

Será mesmo que precisamos de tudo isso? O resultado do nosso modelo de consumo totalmente inconsciente está estampado em nossa face. A Terra está dando sinais claros de colapso: aquecimento global, secas recordes, enchentes catastróficas.

Qual o sentido de termos tanto? Será que nossos bens têm mais valor do que a vida humana? Com certeza, a mãe de Emanuele daria todos seus bens materiais – o pouco que tinha e que agora a lama destruiu – para ter a filha de volta. Vê-la crescer, se tornar adulta.

Se o mar de lama encobriu uma cidade inteira, que ele não faça o mesmo com nossa consciência.